PORQUE MATAR NOSSOS CÃES NÃO
RESOLVE – ACORDA BRASIL!!!
Depois de alguns anos de prática
na clínica de pequenos animais, foi-se desenvolvendo em mim uma crescente
inquietude acerca deste tema. Sempre achei necessário ter uma posição, uma
atitude coerente e sobretudo honesta frente a esta situação onde tantas vezes
me vi envolvido. Em muitas destas vezes, o resultado mecanicamente escolhido
estava de acordo com os "usos e costumes" social e profissionalmente
aceitos. Passaram-se uns tantos anos: acumulei experiência, observei com
cuidado e atenção, incorporei informação e atualmente creio poder expressar uma
opinião. Antes de tudo, devemos esclarecer o significado da palavra eutanásia,
com o propósito de que todos saibam a que nos referimos quando a mencionamos.
Pessoalmente acho que é empregada de forma incorreta uma vez que, segundo sua
etimologia, significa "boa morte" ou "bem morrer" e o
dicionário a define como "morte sem sofrimento". Raramente aquele que
a pratica se detém para pensar se está provocando algum tipo de sofrimento em
sua vítima. Recordemos, como exemplo, o tristemente difundido uso de
miorrelaxantes que, simplesmente, matam por asfixia. Vou tratar apenas da
situação limite que ocorre na relação entre paciente, proprietário e médico
veterinário, na prática diária da clínica de pequenos animais, excluindo aqui
todas as outras circunstâncias, razões e meios pelos quais chega-se a decidir
que um ou vários animais devem morrer. A análise das motivações culturais,
sociais, sanitárias e econômicas implica em um conhecimento técnico amplo e
profundo de cada um desses campos e não me parece prudente tratá-los
superficialmente. De todo modo, qualquer que seja o ponto de partida, a meta é
a reivindicação de um princípio ético fundamental: o respeito pela vida em
todas as suas formas. Da mencionada relação entre paciente, proprietário e
médico veterinário, tentarei analisar, primeiro, as diversas atitudes de dois
de seus membros. Deste modo, sigo o costume estabelecido em nosso meio:
prescindir da opinião do terceiro. Deixarei para o final a observação da
situação e a atitude deste terceiro personagem que é, obviamente, o paciente. É
imprescindível que o médico veterinário e o proprietário coincidam em sentido
afirmativo para que o fato aconteça.
Por que o proprietário decide que
seu animal deve morrer?
Porque está muito velho, surdo,
quase cego e caminha com dificuldade e " ele não pode suportar" vê-lo
nestas condições, recordando os momentos felizes que passou vendo-o brincar
quando era jovem. Porque, ainda que seja jovem, "ele não tolera "
vê-lo com esse aspecto horrível da enfermidade da pele, crônica e tão rebelde aos
tratamentos e que, por outro lado, produz um cheiro tão desagradável,
"pobrezinho"(?). Porque a enfermidade é grave, com poucas
possibilidades de ser superada e "ele sofre muito" pensando que, após
tanta luta e dor, de qualquer forma seu animalzinho pode morrer. Porque a
situação familiar derivada da preocupação pela enfermidade do animal,
"tornou-se insustentável". Porque, sinceramente, crê que existe uma
possibilidade de poupar sofrimentos supostamente inúteis em um animal que ama
de verdade. Porque aceita o conselho do médico veterinário.
Os quatro primeiros casos - cujos
argumentos tenho ouvido, quase textualmente, com muita freqüência - são o
resultado de uma atitude absolutamente egoísta, referindo-se à preocupação que
o dono tem pelo seu próprio bem-estar e esquecendo de considerar quem de fato
necessita. Quem nos deu tantos momentos felizes durante muitos anos, merece que
dediquemos alguns meses de esforço e alguma preocupação para ajudá-lo a
transitar sem dor pelos últimos momentos de sua vida. O ser que nos orgulhou
com sua beleza não merece ser condenado à morte porque momentaneamente não
satisfaz às necessidades estéticas de nossa vaidade. Nossa própria dor pelo
enfermo que sofre não pode ser contemplada antes da dor do enfermo, porque é
ele quem necessita de ajuda. E a situação familiar? Muitas vezes se invoca a
presença das crianças, para as quais a situação resultaria uma experiência
desagradável. Porque não aproveitar para brindá-las com um exemplo de
solidariedade para com aquele que sofre e de amor pela vida? Os motivos
expressados nos casos 5 e 6 merecem ser incluídos nas considerações gerais.
Seria bom pensar se por trás desse "poupar sofrimento" não se oculta
a intenção de livrar-se de um verdadeiro peso ou se o conselho do profissional
não é apropriado e oportuno para aliviar um sentimento de culpa pela consumação
de um ato que não se poderia levar a cabo sem a presença de um cúmplice.
Por que o médico veterinário
decide que seu paciente deve morrer?
Porque o considera incurável.
Porque as escassas possibilidades de cura não justificam os esforços de todo
tipo que deveriam ser realizados. Para poupar seu paciente de sofrimentos
"supostamente inúteis". Porque o proprietário pede. O prognóstico de
incurabilidade é pronunciado com freqüência de forma muito chamativa, a tal
ponto que caberia questionar a utilidade de tantos anos de estudos realizados
por veterinários, uma vez que, aparentemente, só são "atendíveis" as
enfermidades que não apresentam verdadeira gravidade. Como médico veterinário, devo
confessar que o prognóstico de incurabilidade, sobretudo se o diagnóstico vem
acompanhado de alguns exames complementares e a sentença é pronunciada em tom
acadêmico, é uma saída elegante cheia de vantagens. A saber: Libera da
responsabilidade de enfrentar um tratamento com probabilidades de fracassar. Os
fracassos, ainda que em casos gravíssimos, sempre provocam certa perda de
prestígio. Alivia o esforço de trabalho e dedicação que significa um enfermo
grave. No caso da eutanásia ser aceita pelo proprietário (coisa muito provável
), acaba-se prontamente com um "caso problema", dispondo-se de mais
tempo para as vacinações e casos sem gravidade, que são a fonte mais importante
de ingressos fáceis. Pessoalmente, quando, diante de um caso muito grave, me requerem
um prognóstico definitivo, costumo responder que só podemos estar seguros
daquilo que conhecemos com certeza, porém este tipo de conhecimento certeiro é
muito escasso entre os homens. O que conhecemos é ínfimo em relação ao que não
conhecemos.
Deste modo, ninguém, ninguém em
absoluto, pode ter a certeza, a segurança de que um paciente indefectivelmente
morrerá. Dito de outra maneira, só poderemos assegurar a incurabilidade de um
paciente quando este estiver morto. Todos os milagres são simples evidências de
nossa ignorância. Continuo assombrado cada vez que presencio a cura de um caso
que, de acordo com o diagnóstico da entidade clínica, perfeitamente realizado,
deveria ser considerado como perdido. Da mesma forma, me assombro diante do
fatal desenlace de casos que aparentemente estavam bem controlados. Sendo
assim, podemos nos perguntar: devemos condenar um animalzinho à morte
simplesmente porque ignoramos a forma de curá-lo? Nossa missão como médicos é
lutar pela vida do enfermo, tratando sempre de curá-lo ou ao menos aliviá-lo,
com todos os meios disponíveis, colocando-nos ao seu lado e não ao lado da
enfermidade e da morte.
Todo ser vivo tem o direito de
ser favorecido pelo "milagre" e não podemos negar-lhe esta
oportunidade. Com freqüência, esquece-se de consultar outros profissionais e
especialmente evita-se recorrer a outro tipo de medicina não convencional ou a
métodos considerados mágicos ou curandeiros, como se o dogma científico fosse
mais importante que a vida do paciente.
Como podemos trair aquele que nos
pede ajuda e confia em nós?
O orgulho pessoal, a necessidade
de prestígio, consideração e, inclusive, o interesse material, valem mais que a
vida e o bem-estar de nosso paciente? Aprofundando um pouco mais, afirmo que os
homens, qualquer que seja o grau de autoridade científica, social ou cultural
alcançado, não temos o direito de destruir aquilo que somos incapazes de criar
e cujo profundo mistério desconhecemos: a vida. Na situação analisada, quando
falo de vida, refiro-me especificamente à vida do paciente. Tratarei agora da
condição do "terceiro personagem", a quem considero o mais
importante. Se ele pudesse falar e lhe perguntássemos sua opinião, o que diria?
Se ele pudesse... porém... não pode? Quantos de nós e, quantas vezes, nos detivemos
a escutar sua voz?
Todos os animais são capazes de
fazer-nos saber o que querem, o que sentem, especialmente se convivemos com
eles. No caso de animais doentes, esta expressividade conserva-se e até
exalta-se em alguns, resultando quase óbvio que, além da expressão e da atitude,
cada sintoma é um pedido de ajuda. Além disso, foi observado que os animais são
capazes de certo "voluntarismo" com relação a sua vida, tal é o caso
de cães que, por terem morrido seus donos, "decidem" morrer também
(cada leitor deve conhecer uma história semelhante). Apresento a seguir um
episódio arrepiante de sobrevivência voluntária, a mim relatado por uma pessoa
próxima dos protagonistas da história, da qual foi testemunha ocular. Tratarei
de resumi-lo.
Um homem, por razões de trabalho,
deve viajar e ausentar-se por um período bastante longo. Seu cão, já velho,
permanece em sua casa em companhia da família. Na ausência do dono, o cachorro
adoece gravemente e o médico veterinário que o atende prognostica um desenlace
fatal em curto prazo, chegando, inclusive, a propor a eutanásia para evitar o
que considerava uma agonia inútil. Os familiares preferem não tomar nenhuma
decisão sem o consentimento do dono que, ao ser comunicado do fato, decide
regressar para casa. Enquanto isso, passam os dias e o cachorro permanece em um
estado de estupor comatoso, não come nem bebe, apenas respira. Ninguém, nem
mesmo o médico veterinário, consegue explicar como é possível que continue
vivendo. Já deveria estar morto. Permanece nessas condições por quase uma
semana. Finalmente o dono regressa e o cachorro, que tinha permanecido
"inconsciente" todo esse tempo, ao entrar o dono, levanta a cabeça e
olha para ele. O dono aproxima-se e, chorando, o acaricia. No momento em que
recebe a carícia, o cachorro morre.
Como é possível que proprietário
e veterinário decidam, às vezes tão superficialmente, o destino de uma vida
como esta?
Alguém poderia dizer e, de fato
tenho ouvido isso muitas vezes, que é "desumano" permitir a dor
"inútil" de um cão que nem tem esperanças de salvação. Tenho
mencionado a relatividade e subjetividade do conceito de incurabilidade, de
modo que agregarei outra afirmação: creio que não existe nenhuma dor física que
supere aquela que produz a certeza da morte artificial iminente produzida com a
cumplicidade de quem se tem amado tanto. Poucas pessoas ignoram que os cães
percebem nossa atitude, ainda que não façamos absolutamente nada, de maneira
que é evidente que "sabem" o que vamos fazer e quando começamos a
fazê-lo. Quando chamamos nosso cachorro para sair para passear, ele vem
imediatamente, porém quando o chamamos para tomar banho (quando não gosta de
banho) ele se esconde, ainda que nosso tom de voz possa ser igual. Quando o
levamos ao consultório do veterinário, resiste a passar por este lugar, ainda que
o caminho seja o mesmo que fazemos para levá-lo à praça. Há ainda muitos outros
exemplos. Como podemos pensar, então, que ele não sabe que vamos matá-lo? Ele
sabe disso e nenhum sofrimento físico é comparável com a angústia que este fato
lhe produz. Quem já olhou nos olhos de um cão neste momento, não esquecerá
jamais este olhar. Eu nunca o esquecerei. Como também não esquecerei nunca o
último caso de "eutanásia" que cheguei a praticar. Tratava-se de uma
cadela com uma encefalite em período depressivo, que encontrava-se em coma
havia quarenta e oito horas. Quando, em cumplicidade com o dono, convencidos de
que era o melhor, tomamos a nefasta decisão, preparei a seringa e, ao
inclinar-me sobre meu paciente para injetá-la, começou a sacudir-se tentando, ainda
inconsciente, levantar-se como para escapar. Estou absolutamente convencido de
que ela sabia o que eu ia fazer. E, se eles conhecem as nossas intenções, como
vamos abandoná-los justamente quando mais necessitam de nós? Não somos capazes
de dedicar-lhes alguns dias, horas ou semanas, enquanto eles foram capazes de
dedicar-nos toda sua vida? Estou me referindo principalmente aos cães porque é
uma das espécies que têm maior contato com o ser humano e, portanto, nos
sentimos familiarizados com eles. Todos, absolutamente todos os seres vivos,
sofrem a morte e digo "a morte" e não exclusivamente sua própria
morte. Como exemplo disso bastaria remeter-se às extraordinárias experiências
relatadas no famoso livro A vida secreta das plantas. O único que conhecemos da
vida são suas manifestações: uma das principais características observadas na
substância viva é sua luta constante pela conservação da vida. Cada célula,
cada ser unicelular, cada partícula do protoplasma está lutando para
conservar-se viva, para dispor do maior tempo possível para alcançar suas
"metas biológicas".
Então, este animalzinho que
estamos planejando matar, não se sentiria feliz, apesar das dores de uma
enfermidade que o está derrotando, em saber que estamos ao seu lado, lutando
pela sua vida até o último momento? Cada ser vivo tem seu tempo. Seu tempo para
nascer e seu tempo para morrer. Não conhecemos as leis que regem a infinidade
de circunstâncias que conduzem ao nascimento de um novo ser, de um ser único,
inédito, irreproduzível, e a infinidade de circunstâncias que determinam o
final desta vida única e inédita. Matar é apenas isso: matar, destruir a vida.
Jamais devemos admitir que a morte artificial, provocada, possa produzir algum
benefício.
Todo ser vivo tem o direito de
viver até seu último instante, de dispor de todo seu tempo e de alcançar
"seu próprio fim", sua morte natural e esta é a única, a verdadeira
eutanásia. Todo o resto é assassinato. "Não matarás", nos diz um dos
Mandamentos, e isto quer dizer também " não matarás em teu coração",
que significa a profunda e verdadeira atitude vital de respeito pela
maravilhosa Criação na qual estamos incluídos. Em outras palavras, só o amor
pode salvar-nos.
*Do livro: HOMEOPATIA NA VIDA DE
NOSSOS ANIMAIS, Rio de Janeiro: Ed. LUZ MENESCAL, 2005. Juan Agustín Gómez é um
experiente veterinário homeopata argentino, agora radicado no Brasil.
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